Um surto de coronavírus no sul da China entupiu portos críticos para o comércio global, causando um acúmulo de embarques que pode demorar meses para ser resolvido e levar à escassez de produtos para as compras de fim de ano.
O caos começou no mês passado, quando as autoridades da província de Guangdong, no sul da China — sede de alguns dos portos de contêineres mais movimentados do mundo — cancelaram voos, fizeram o lockdown em comunidades e suspenderam o comércio ao longo de sua costa para controlar um rápido aumento nos casos de Covid-19 .
A taxa de infecções melhorou desde então, e muitas operações foram reestabelecidas.
Mas o estrago já está feito. Yantian, um porto a cerca de 80 quilômetros ao norte de Hong Kong, movimenta mercadorias que preencheriam 36 mil TEUs (capacidade em contêineres de 20 pés) todos os dias. Ele foi fechado por quase uma semana no fim do mês passado, quando foram detectadas infecções entre os operadores portuários. Embora o porto tenha sido reaberto, ele ainda está operando abaixo da capacidade, criando um enorme acúmulo de contêineres esperando para sair e navios esperando para atracar.
O congestionamento em Yantian se espalhou para outros portos de contêineres em Guangdong, incluindo Shekou, Chiwan e Nansha. Todos estão localizados em Shenzhen ou Guangzhou, o quarto e o quinto maior porto de contêineres do mundo, respectivamente. O efeito dominó está criando um grande problema para o setor de transporte marítimo mundial.
O acúmulo de Yantian “está causando mais disrupção em uma cadeia de suprimentos global já pressionada, inclusive na importante parte marítima”, disse Peter Sand, analista-chefe de transporte da Bimco, uma associação de armadores. As pessoas “podem não encontrar tudo o que querem quando forem às compras de Natal”, acrescentou.
Na quinta-feira (17), mais de 50 navios porta-contêineres estavam esperando para atracar no Delta do Rio das Pérolas, em Guangdong, de acordo com dados da Refinitiv. É o maior acúmulo desde 2019.
Apenas em Yantian, as complicações nas operações já são preocupantes. O porto não conseguiu movimentar cerca de 357 mil TEUs desde o fim de maio, segundo uma estimativa recente de Lars Jensen, CEO da consultoria dinamarquesa Vespucci Maritime. Isso é mais do que o volume total de frete impactado pelo fechamento de seis dias do Canal de Suez em março.
As operações portuárias de Yantian já se recuperaram para cerca de 70% dos níveis normais, mas não devem retornar à capacidade total até o fim de junho.
Salto nos custos de transporte
O congestionamento no sul da China levou as principais empresas de transporte marítimo a alertar os clientes sobre atrasos, mudanças nas rotas e destinos e aumento nas taxas.
A Maersk — maior empresa de transporte de contêineres e operadora de navios do mundo — disse aos clientes na semana passada que os navios podem atrasar pelo menos 16 dias em Yantian.
Embora a empresa tenha dito que desviaria algumas transportadoras para portos alternativos, isso não necessariamente vai resolver o problema. A Maersk alertou que o tempo de espera em outros portos, como Shenzhen, Guangzhou e Hong Kong, pode aumentar à medida que mais navios chegarem.
Enquanto isso, as gigantes Hapag-Lloyd, MSC e Cosco Shipping aumentaram as taxas de frete para cargas entre a Ásia e a América do Norte ou Europa. A MSC, por exemplo, disse neste mês que aumentaria as taxas de transporte da Ásia para a América do Norte em até US$ 3.798 (cerca de R$ 19.332) por contêiner de 45 pés.
É uma tendência global. As tarifas das oito principais rotas Leste-Oeste aumentaram em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Drewry Shipping, com sede em Londres. O maior salto nos preços ocorreu ao longo da rota de Xangai a Rotterdam, na Holanda, que disparou 534% em relação ao ano anterior, para mais de US$ 11 mil (cerca de R$ 55.990) por um contêiner de 40 pés.
Recentemente, as taxas médias de frete de contêineres da China para a Europa atingiram US$ 11.352,33 (cerca de R$ 57.783,36), o nível mais alto desde pelo menos 2017, de acordo com a Refinitiv.
Disrupções contínuas
A crise em Guangdong está aumentando a pressão sobre uma indústria global já sobrecarregada.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os principais portos da costa da Califórnia já estão entupidos de navios porta-contêineres, agravando o gargalo da maior porta de comércio do país com a Ásia.
A Federação Nacional do Varejo (NRF, na sigla em inglês) recorreu ao presidente dos EUA, Joe Biden, no início desta semana para resolver o congestionamento nos portos norte-americanos. Em uma carta a Biden, a NRF alertou que os problemas “não apenas acrescentaram dias e semanas às nossas cadeias de abastecimento, mas também levaram à escassez de estoque, afetando nossa capacidade de atender nossos clientes”.
A indústria de transporte marítimo também está testemunhando o efeito cascata provocado pelo congestionamento no Canal de Suez em março, quando o Ever Given entalou e bloqueou uma das rotas comerciais mais vitais do mundo por quase uma semana, disse Parash Jain, diretor de pesquisa em transporte marítimo e portos na Ásia do HSBC.
“A reversão do acúmulo após o congestionamento no terminal de Yantian pode levar meses, já que o início da alta temporada significa que a demanda vai aumentar ainda mais”, afirmou.
Um equilíbrio delicado
A crise em Guangdong expõe a fragilidade da cadeia de abastecimento global, de acordo com Pawan Joshi, vice-presidente executivo da E2open, um provedor de software para cadeias de suprimentos com sede no Texas.
“Não existe mais margem para erros ou eventos inesperados — está tudo muito apertado”, comentou. “Isso significa que você não pode cometer nem um erro sequer, porque não há mais nenhum tipo de proteção”.
A pandemia causou estragos no ano passado, com as medidas de lockdown fechando fábricas e interrompendo o fluxo normal do comércio. À medida que as economias voltam à vida, os fornecedores têm sido afetados por uma aceleração na produção e pela demanda extra dos consumidores.
Mas esse aumento na demanda está se chocando com a capacidade quase inalterada do transporte de contêineres. A capacidade reduzida de frete aéreo global devido ao colapso da aviação de longo curso só piorou as coisas.
“Com a forte demanda por transporte marítimo em todo o mundo, continuaremos a ver o transporte marítimo com taxas mais altas e mais rollovers de carga do que o normal”, disse Joshi, referindo-se aos embarques que precisam ser reservados para uma viagem futura porque não podem ser carregados no navio original.
Provavelmente, a demanda mudará um pouco à medida que os países afrouxarem as restrições por conta da Covid-19 e as pessoas começarem a gastar menos em eletrodomésticos ou outros produtos e mais em experiências ao ar livre. Mas é pouco provável que as restrições na cadeia de abastecimento global desapareçam logo.
“Mais recentemente, vimos a fadiga prolongada na cadeia de abastecimento global, aumentando ainda mais os desafios já existentes”, disse Sand da Bimco, acrescentando que as tensões provavelmente continuarão a ser sentidas “por até um ano”.
Fonte: CNN Brasil